IA aprofunda debate sobre a BNCC e entrevista Alice Ribeiro

 
 
 

Alice Andrés Ribeiro, mestre em Direitos Humanos e Democratização, foi Co-CEO do Movimento pela Base, e teve papel relevante no apoio e criação de uma base curricular para o Brasil.


Amplamente debatida no Brasil, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) também tem sido assunto de reflexão no Instituto Aliança, que acredita e trabalha pelo direito ao desenvolvimento integral de crianças e adolescentes. Por isso, entender como a BNCC pode atuar diretamente na redução das desigualdades educacionais, melhorar a articulação de recursos, a formação dos professores e o desempenho dos estudantes é fundamental.

Foi para abordar essa questão, e a temática do Novo Ensino Médio, que o IA promoveu, no dia 4 de março, uma roda de conversa com Alice Andrés Ribeiro, mestre em Direitos Humanos e Democratização, ex-Secretária Executiva do Movimento pela Base, que teve papel relevante no apoio e criação de uma base curricular para o Brasil. Alice graduou-se em Relações Internacionais (PUC/MG) e é mestre em Direitos Humanos e Democratização (European Inter-University Centre for Human Rights and Democratisation, Veneza/Itália) e em Administração Pública e Governo (FGV/SP). Na entrevista concedida ao IA, Alice comentou sobre os avanços e desafios da educação no Brasil e sobre o quanto a BNCC pode influir na qualidade e equidade na educação brasileira.

Confira a entrevista completa!

Instituto Aliança: Como você vê a necessidade de um documento orientador para a Educação Básica?

Alice Ribeiro: Eu considero absolutamente essencial contar com um documento orientador para a educação básica, ainda mais num momento de tantos questionamentos. Entendo que direitos, como o direito à aprendizagem de qualidade para todos, só podem ser cumpridos e bem cumpridos, se houver nitidez do que são esses direitos. Um documento orientador como a Base Nacional Comum Curricular traz nitidez sobre quais são esses direitos com referências a quando eles deveriam ser desenvolvidos pelas crianças e jovens. Isso traz uma espinha dorsal para o setor educacional, para o sistema educacional que é muito importante, pois a partir daquilo que é direito das crianças e adolescentes aprenderem, o sistema educacional pode reorganizar a formação dos professores, os currículos das escolas, os materiais didáticos, as avaliações. É absolutamente central ter um documento norteador para prover tanto a qualidade quanto a equidade na educação brasileira.

Instituto Aliança: A atual Base Nacional Comum Curricular traduz as necessidades da Educação Básica brasileira? Ela é legítima, considerando sua aprovação durante um momento político instável, logo após o impeachment da presidente Dilma?

Alice Ribeiro: Entendo que a atual Base Nacional Comum Curricular trouxe todos os avanços possíveis nos anos de 2017 e 2018, considerando o cenário absolutamente complexo que a gente estava vivendo naquele momento. Eram muitos tensionamentos políticos, muitas disputas de visão sobre a educação. Sem dúvida nenhuma, a Base não é um documento perfeito e nenhum seria ou será.

Um documento curricular precisa responder às necessidades do seu tempo, precisa encontrar o melhor equilíbrio entre qualidade técnica e legitimidade política. Então, a atual Base Nacional Curricular, na nossa visão, com certeza, é um avanço para o que se tinha. Tudo era muito amplo e genérico, não se fazia presente em todas as escolas e não era obrigatório. Então, ela é um avanço ao sinalizar aquilo que é um direito de todos e, claro, ela é legítima. Foi amplamente debatida, em suas quatro versões, com mais de 300 mil educadores participando da primeira rodada, numa consulta pública, que durou seis meses e gerou mais de 12 milhões de colaborações. Além disso, passou por uma segunda rodada, nos estados e municípios, que num regime de colaboração inédito discutiram a segunda versão do documento em todas as etapas, por mais de nove mil educadores. A terceira versão foi também muito debatida em todas as regiões do país pelo Conselho Nacional de Educação.

Depois de mais de dois anos e meio para a Base de Educação Infantil e Ensino Fundamental e três anos e meio para a Base do Ensino Médio, foram aprovados os documentos finais, então ela é absolutamente legítima. O que não significa que ela tenha sido feita em um período fácil e muito menos implementada em um período fácil. Realmente o momento político sempre foi muito instável e no momento da aprovação era ainda mais.

Instituto Aliança: O que você considera positivo e relevante no que é proposto na BNCC?

Alice Ribeiro: Eu considero absolutamente positivo e relevante que a gente tenha uma Base Nacional Comum Curricular que explicite, com foco nas aprendizagens a que às crianças e jovens têm direito ao longo da educação básica. Acho que isso traz muita nitidez para o sistema educacional, para os professores, estudantes e famílias, a respeito daquilo que é essencial e é direito das crianças aprenderem. A própria existência do documento é absolutamente positiva e relevante.

O segundo ponto são as inovações que o documento apresenta, a exemplo das aprendizagens, do desenvolvimento proposto para a educação infantil. Os campos de experiência, direitos de aprendizagem e desenvolvimento, são inovadores e apresentam maior intencionalidade pedagógica para os educadores na educação infantil, e isso é muito positivo.

Ao falar do Ensino Fundamental, a Base apresenta também, ano a ano, o que é esperado em todos os componentes curriculares, ou seja, o que toda criança e jovem precisa saber. Isso também traz um norte muito nítido para a recomposição das aprendizagens, tendo em vista que a defasagem da aprendizagem aumentou muito com a Covid-19. Outro ponto é que a Base do Ensino Médio já vem sinalizando a importância de uma transformação na forma como o processo de ensino e aprendizagem acontecem em sala de aula. Ela busca promover mais integração entre os diferentes componentes curriculares, maior transdisciplinaridade e interdisciplinaridade. Uma atenção para a importância do olhar para o protagonismo do jovem no seu processo de aprendizagem, nas escolhas que ele tem a fazer.

A Base toda tem como coração o desenvolvimento integral das crianças e jovens, e não simplesmente o seu desenvolvimento cognitivo. Ela não é uma lista de conteúdo e tópicos, ela está pensando naquilo que toda criança e jovem tem direito de saber e saber fazer. Esses são alguns dos aspectos mais bonitos.

Instituto Aliança: O que precisaria ser revisto?

Alice Ribeiro: É absolutamente normal que documentos como esse sejam revisados de tempos em tempos para que sigam atualizados. No caso da BNCC, há alguns pontos muito interessantes e importantes de serem revisados, eu chamaria atenção para dois. O primeiro deles é o que diz respeito à alfabetização. Na minha visão, ela não traz muita nitidez a respeito do que o estudante tem direito de aprender, não fica claro que tipo de complexidade textual o menino deve saber e conhecer. Não está nítido para o professor o que é esperado ano a ano. Então, entendo que a parte da alfabetização precisa ser repensada com muito carinho. Outro aspecto da Base que é absolutamente importante de ser repensado é como ela pode se tornar, de fato, um instrumento de equidade, por exemplo, étnico-racial, trazendo de uma forma objetiva, sistemática e intencional a questão da educação para as relações étnico-raciais, então são dois pontos que eu chamaria atenção e que precisam ser revistos.

Vale muito ressaltar que o processo de revisão de padrões de aprendizagem como a Base não são simples e precisam ser planejados com muito cuidado, precisam ser comunicados e feitos com um monitoramento oficial e robusto, e, em uma coordenação nacional forte, no caso do Brasil, é importante que o Ministério da Educação, estados e municípios acompanhem de perto o andamento da implementação, entendendo quais são as dores e os pontos que estão funcionando, para serem bastante propositivos e cirúrgicos nessa revisão. Vale chamar atenção que esse monitoramento não tem sido feito de maneira oficial, de forma constante e muito menos de forma dialogada e transparente, e é absolutamente central que isso aconteça.

Instituto Aliança: Há também uma série de discussões e debates acerca da Reforma do Ensino Médio. Você considera relevantes os pontos que foram discutidos e aprovados nessa última semana?

Alice Ribeiro: O Ensino Médio tem sido discutido no país basicamente há décadas e sem dúvida é uma das etapas mais delicadas e que precisa de uma atenção especial por parte da comunidade educacional. Os avanços e as decisões tomadas nos últimos dias com relação ao Ensino Médio são importantes, primeiro porque vão definindo o que vai acontecer. Acho que o pior cenário para os gestores, para a escola, é ficar no limbo, como estava, sem saber o que vai acontecer com a carga horária, com a flexibilização, com a EPT. Agora esses caminhos se tornam mais nítidos, e isso traz segurança pedagógica para as redes, para as escolas, o que é absolutamente central.

Entendo que seja muito positivo que as discussões estejam convergindo para, por exemplo, manter os pilares da reforma. É absolutamente central que se mantenha a etapa da BNCC do Ensino Médio, da forma como ela está, que não se obrigue o uso e atenção aos 13 componentes curriculares obrigatórios. Qualquer mudança na Base só deveria ser pensada à luz do processo de revisão dela, com muito monitoramento, diálogos, estudos e evidências.

É central que um segundo pilar da reforma do Ensino Médio também tenha que ser mantido: a flexibilização. É importantíssimo que o estudante possa ter a oportunidade de aprofundar-se naqueles conhecimentos e aprendizagens que são mais interessantes a ele. Um terceiro pilar da reforma do Ensino Médio, que é essencial ser resguardado, e isso tem acontecido nessas últimas decisões da Câmara dos Deputados, é da manutenção da educação profissional. Agente nota que essa é uma demanda dos estudantes, da maior parte deles, então seguir viabilizando uma articulação da EPT com o Ensino Médio regular é absolutamente central. Por fim, também a aplicação da jornada escolar é algo que tem sido mantido.

Esses quatro pilares: BNCC do Ensino Médio, flexibilização, articulação da EPT com o Ensino Médio regular e a ampliação da jornada escolar são pilares da reforma que foram mantidos após inúmeras discussões no país inteiro, não só na Câmara, e que agora vai para o debate no Senado. É fundamental que esses pilares sejam preservados.

Na nossa visão, para a discussão no Senado há dois pontos-chaves: um deles é justamente que não se obrigue a organizar os currículos por 13 componentes obrigatórios e o segundo é uma preocupação imensa: da forma que o Projeto de Lei está seguindo, os estudantes do ensino técnico teriam menos formação geral básica do que os estudantes que optassem por trilhas acadêmicas e, na nossa visão, isso é uma violação de direitos. Estudantes têm direitos à mesma formação geral básica, como o próprio nome diz, então, para nós, esses são pontos básicos para serem dialogados no Senado e é importantíssimo pensar no dia seguinte: quais apoios técnicos, financeiros, quais serão os cronogramas dessa implementação, o que será disponibilizado de apoio às redes, para elas já refazerem aquilo tudo aquilo que elas já fizeram, com muito esforço, ao longo dos últimos anos para atender às novas demandas da Lei.

Instituto Aliança: Qual seria o "estado da arte" do Novo Ensino Médio?

Alice Ribeiro: Pelo que a gente tem acompanhado, o Ensino Médio tem saído do papel de uma forma heteronímia no país como um todo, até mesmo dentro dos diferentes estados. Isso é um fator de preocupação. Ao mesmo tempo que, por um lado, a gente entende que é absolutamente positivo e notável que os estados – apesar da falta de monitoramento, coordenação nacional, apoio, disponibilização de suporte técnico e financeiro – sigam implementando, isso é super-positivo e dá para notar o desejo por mudança. Mas, por outro lado, é inegável que é essencial haver um apoio próximo e uma coordenação nacional muito próxima por parte do Ministério da Educação.

A implementação do Ensino Médio avançou de forma consistente no país em todos os estados entre 2022 e 2023. Quando a gente aplica uma pesquisa que tem mais de 30 indicadores que apontam como está a implementação em cada um dos estados, a gente nota que todos avançaram e que não há mais nenhum estado no estágio muito inicial de implementação. Ao mesmo tempo, os estados apresentam dificuldades incríveis e imensas para terem cronogramas físicos, financeiros, para reorganizarem a formação dos professores e para saberem, por exemplo, como fazerem o projeto de vida, para terem nitidez de como realizar a flexibilização curricular, para saber como de fato, por exemplo, integrar as competências gerais da Base Nacional Comum Curricular. Então, é essencial haver apoio robusto para que essa implementação siga sempre melhorando. Assim como a Lei vai tendo os seus aprimoramentos e vai avançando no país melhorada, a implementação também vai tendo os seus aprimoramentos e vai sendo melhorada.

 
 
 
 

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